7 de mai. de 2012

Realismo/ Machado de Assis

Realismo/ Machado de Assis

DO ROMANTISMO AO REALISMO
A obra de Machado de Assis pode ser dividida em dois momentos bem distintos: as obras da juventude, com forte influência do Romantismo e seu progressivo amadurecimento, até chegar ao Realismo de suas obras da maturidade. Entre estas, as mais destacadas e consideradas são Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899). Se os escritores românticos, José de Alencar à frente, conseguiram estabelecer o romance como um gênero literário de respeito no Brasil, foi Machado de Assis quem elevou a prosa brasileira ao nível das melhores escritas no mundo em sua época. Sua obra não almeja mais apenas divertir, moralizar ou afirmar valores nacionais, mas visa esmiuçar o espírito humano, refletindo sobre valores universais, sem jamais perder de vista a realidade brasileira.
O PRIMEIRO ROMANCE PSICOLÓGICO
Com Memórias Póstumas de Brás Cubas a literatura brasileira atingiu a sua maturidade. Marco inicial do Realismo, introduz o romance psicológico na Literatura brasileira. Nesta obra, Machado de Assis desloca o foco de interesse do romance. O seu enfoque central não é a vida social ou a descrição das paisagens, mas a forma como seus personagens vêem e sentem as circunstâncias em que vivem. Em vez de enfatizar os espaços externos, investe na caracterização interior dos personagens, com suas contradições e problemáticas existenciais.


Memórias Póstumas de Brás Cubas
Publicado em 1881, Memórias Póstumas de Brás Cubas, além de inaugurar o Realismo brasileiro, apresenta as mais radicais experimentações na prosa do país até então. Narrado por um defunto, de forma digressiva e agressiva, o romance apresenta a vida inútil e desperdiçada do anti-herói Brás Cubas. Utilizando recursos narrativos e gráficos inusitados, Machado surpreende a cada página com sua ironia cortante e, acima de tudo, com a inteligência que prende até o leitor mais desconfiado. Antecipando procedimentos modernistas e descobertas da psicanálise, esta obra ácida e irônica de Machado de Assis eleva a literatura brasileira a um patamar jamais antes atingido.
DOIS TIPOS DE REALISMO
O chamado Realismo na Literatura brasileira compreende duas manifestações literárias muito diferentes, ambas marcadas pela oposição à tendência idealizante do Romantismo e pela atitude crítica em relação à sociedade.
De um lado temos o Realismo propriamente dito, ou Realismo Psicológico, inaugurado por Memórias Póstumas de Brás Cubas; de outro, o Realismo-Naturalismo, cujo marco inicial é o romance O Mulato, também de 1881, de Aluísio Azevedo (1857-1913).
A obra mais importante do Realismo-Naturalismo é O Cortiço, de Aluísio Azevedo, editado em 1890. No livro de Azevedo, a trama desenvolve-se em uma habitação coletiva do Rio de Janeiro, onde vivem e circulam operários, prostitutas e personagens das mais variadas classes sociais. A composição desses tipos e do enredo tem a intenção de descrever objetivamente a vida de uma determinada sociedade e retratar seu funcionamento. O Realismo-Naturalismo é cientificista e determinista, considerando que as ações humanas são produtos de leis naturais: do meio, das características hereditárias e do momento histórico.
Já o Realismo Psicológico de Machado de Assis despreza tanta objetividade. O escritor concentra sua narrativa na visão de mundo de seus personagens, expondo suas contradições. A classificação mais adotada para definir a escola literária a que pertence Machado de Assis na segunda fase de sua obra é Realismo Psicológico. O recurso que ele utiliza para discutir a sociedade é a abordagem, em profundidade, da individualidade e do caráter dos personagens.
POUCA AÇÃO E MUITAS SURPRESAS
Na abertura do livro, uma dedicatória escrita sob a forma de um epitáfio anuncia o narrador desse romance inusitado: Brás Cubas, um defunto-autor que começa contando detalhes do seu funeral. Depois de algumas digressões, ele retoma a ordem cronológica dos acontecimentos, relatando a infância e a primeira paixão da adolescência, aos 17 anos, pela cortesã Marcela. Presenteia tanto a amada que o pai, irritado com o gasto excessivo, manda-o estudar Direito em Coimbra, Portugal.
Assim como foi, também volta a chamado do pai porque a mãe está à morte. Namora então Eugênia, a filha de uma amiga pobre da família, enquanto o pai procura arranjar um casamento de interesse com Virgília, a filha de um político, o Conselheiro Dutra. Ela, no entanto, casa-se com um político, Lobo Neves, e posteriormente se torna amante de Brás, mantendo com ele encontros na casa habitada por dona Plácida. Antes de o caso começar, morre o pai de Brás. Começa então um litígio entre ele e a irmã Sabina pela herança.
Em meio a tudo isso, o protagonista Brás reencontra Quincas Borba, amigo dos tempos de escola, que lhe apresenta uma doutrina filosófica que criara, o Humanitismo. Virgília parte para o Norte, acompanhando o marido, nomeado presidente de província. Brás namora então a sobrinha do cunhado Cotrim, mas a garota morre aos 19 anos. Ele, que já se tornara deputado, fracassa na tentativa de virar ministro de Estado. Frustrado, funda um jornal de oposição. Percebe, então, que Quincas Borba está enlouquecendo progressivamente.
Procurado por Virgília, já idosa, Brás ampara dona Plácida, que morre pouco depois. É um período cheio de perdas e decepções: morrem Marcela, o louco Quincas Borba, Lobo Neves e Eugênia aparece em um cortiço. Ao tentar inventar um emplasto que lhe daria a fama tão desejada, Brás Cubas adoece e recebe a visita da ex-amante Virgília e do filho dela. Morre depois de um delírio, aos 64 anos. Decide, então, contar sua vida em detalhes, mas, pouco sistemático que é, e ainda excitado pela experiência da morte, sua narrativa segue a lógica do pensamento.
O caráter inovador de Memórias Póstumas de Brás Cubas não está na história propriamente dita ou na seqüência cronológica dos fatos. A melhor chave para compreender a obra são as reflexões do personagem, como elas se encadeiam e se misturam aos eventos que ele vive.
NARRADOR – O PERSONAGEM CENTRAL
O romance tem uma perspectiva deslocada: é narrado por um defunto, que reconta a própria vida, do fim para o começo, num relato marcado pela franqueza e inseção. "Falo sem temer mais nada", diz o morto. É Brás Cubas, personagem “esférico”, ou seja, de grande densidade psicológica, quem comenta as próprias mudanças. Brás Cubas, classificado pelos críticos como o grande hipócrita da Literatura brasileira, é um sujeito sem objetivos e muito contraditório, sempre rondando a periferia do poder. Típico burguês da segunda metade do século XIX encarna o homem que passou a vida sem conquistar nenhuma realização efetiva. Se na infância o personagem fora uma criança abastada e protegida, torna-se um jovem adulto leviano, em busca da melhor maneira de tirar vantagem. Sua conduta fica explícita quando descreve sua formação universitária na Europa:
“Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim – embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções morais e política para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurisprudência. Colhi de todas as coisas a fraseologia, a casca, a ornamentação (...)"

Quando volta ao Brasil, por causa da doença da mãe, se defronta pela primeira vez com a questão da morte e vive então um momento de introspecção e reflexão. Quando reencontra Marcela velha e doente, retoma a ideia da passagem do tempo. A isso Brás chama de teoria das edições da vida, anunciada nos primeiros capítulos, mas comentada muito depois.
“Pois sabei que, naquele tempo, estava eu na quarta edição, revista e emendada, mas ainda inçada de descuidos e barbarismos; defeito que, aliás, achava alguma compensação no tipo, que era elegante, e na encadernação, que era luxuosa.”
Na maturidade, começa a buscar a compensação pela existência sem nada de notável, sem filhos ou realizações: consegue um cargo público, busca notoriedade e respeitabilidade ao querer tornar-se ministro. Pouco antes de morrer, imagina ainda um último modo de se perpetuar: inventando um emplasto, uma medicação sublime.
PERSONAGENS COMPLEMENTARES
Os personagens criados por Machado de Assis entram e saem de cena conforme os pensamentos de Brás Cubas. Entre eles, quem merece maior destaque é Quincas Borba, que, mais tarde, será o personagem-título de outro romance do autor. Ele influencia profundamente o narrador com a sua teoria do Humanitismo. Os dois conheceram-se no colégio e reencontram-se muitos anos depois. Quincas é um mendigo que vai enlouquecendo progressivamente.
Ao morrer, está completamente fora de si. Seu Humanitismo prega que tudo
o que acontece na vida faz parte de um quadro maior de preservação da essência humana. A ironia é uma das marcas da obra de Machado de Assis. Nesta obra isso fica claro quando o autor faz com que uma doutrina de valorização da vida seja defendida justamente por um mendigo que morre completamente louco.
No contexto do romance, o Humanitismo convém a Brás para justificar sua existência vazia. A teoria de Quincas Borba dá a ele uma ilusão da descoberta de um sentido para a vida. A morte de Quincas Borba reconduz Brás Cubas ao confronto com a vacuidade de sua existência. Machado confirma assim a tese anunciada no Capítulo 7 – “O delírio”, sobre a perseguição inútil da felicidade.
Quincas Borba é importante porque introduz Brás Cubas na teoria que inventou, o Humanitismo. Na verdade, a teoria do mendigo é uma caricatura que Machado de Assis faz do positivismo e do evolucionismo, teorias científicas e filosóficas em voga na época que atribuem sentido de evolução mesmo às fatalidades da vida.
AS INOVAÇÕES DE MACHADO DE ASSIS
Escritor dedicado à problematização e ao questionamento da função da Literatura, Machado de Assis inova, neste livro, a temática, a estrutura e a linguagem.
Na temática, investe na complexidade dos indivíduos, que retrata sem nenhuma idealização romântica:
“(...) Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis (...)”
Aqui, por exemplo, constrói uma frase realista típica, contrapondo ao romantismo do envolvimento de 15 meses os 11 contos de réis. Ao contrário dos personagens românticos, que se movem por um objetivo, e estabelecem metas ou fazem algo notável, a trajetória de Brás Cubas e dos personagens que o circundam nada tem de especial. Muitas vezes, eles se norteiam, como no caso de Marcela, pelo mais vil dos interesses. No final da vida, Brás Cubas conclui que precisa deixar alguma realização e se anima com a idéia de criar um emplasto com seu nome, algo que o tornaria famoso.
A estrutura de Memórias Póstumas de Brás Cubas tem uma lógica narrativa surpreendente e inovadora. A seqüência do livro não é determinada pela cronologia dos fatos, mas pelo encadeamento das reflexões do personagem. Uma lembrança puxa a outra e o narrador Brás Cubas, que prometera contar uma determinada história, comenta todos os outros fatos que a envolvem, para retomar o tema anunciado muitos capítulos depois. Organizados em blocos curtos, os 160 capítulos de Memórias Póstumas de Brás Cubas fluem segundo o ritmo do pensamento do narrador. A aparente falta de coerência da narrativa, permeada por longas digressões, dissimula uma forte coerência interna, oferecendo ao leitor todas as informações para conhecer a visão de mundo de um homem que passou pela vida sem realização nenhuma, apenas ao sabor de seus desejos. Logo nas primeiras páginas, o escritor brinca com a expectativa do leitor de chegar logo às ações do romance. Machado de Assis, por intermédio do seu narrador, se dirige diretamente ao leitor, metalinguisticamente, para comentar o livro. Diz Brás Cubas:
“Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho que faz muito bem”.
Ao usar a metalinguagem, Machado convida o leitor a refletir sobre a estrutura da obra e perceber dois níveis de leitura: a que revela diretamente o personagem e a que o faz objeto de crítica do autor.
Machado de Assis foi o mais ousado dos escritores brasileiros anteriores ao Modernismo (1922) na experimentação de novas formas de expressão. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas mostra sua desconfiança da articulação perfeita entre o texto e a realidade e procura adequar a forma ao conteúdo. Exemplo: para traduzir a frustração de Brás Cubas quando não consegue se tornar ministro, a solução do autor foi deixar o Capítulo 139 em branco. No capítulo seguinte, explica:

“Há coisas que melhor se dizem calando; tal é a matéria do capítulo anterior”.

A ironia é um dos traços mais marcantes da obra de Machado de Assis e aparece ainda mais acentuada nos chamados romances da maturidade. Pode ser entendida como mais um recurso para combater as verdades absolutas, das quais desacreditava por princípio. A construção irônica prevê sempre outros sentidos para o que é dito.
Machado de Assis utiliza-se da ironia como um recurso para fazer o leitor desconfiar das declarações, pensamentos e conclusões do narrador Brás Cubas.
Ao comentar, no primeiro capítulo, sobre o amigo que lhe presenteia com um empolado discurso fúnebre, o narrador agradece as palavras ditas em tom de comoção exagerada com uma frase certeira:
“Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei".
A digressão é outro elemento importante da linguagem machadiana. Consiste na interrupção do fluxo narrativo, que envereda por assuntos desvinculados do tema inicial, mas mantendo com ele alguma analogia criada pela mente de quem conta. Essa analogia, com algum esforço, pode ser percebida pelo leitor, desde que ele se mantenha atento.
O leitor de Machado é constantemente solicitado a interagir criticamente com a obra, distanciando-se ainda mais do modelo de leitura proposto pelos romances românticos, que mobilizam a emoção e a imaginação.
É o que acontece, por exemplo, na parte inicial do romance, quando Brás Cubas deixa em suspenso por vários capítulos a explicação para sua morte, que prometera desde o início, para passear descomprometidamente por assuntos tão díspares quanto às pirâmides do Egito e a sua árvore genealógica. Quando volta a falar da causa mortis, é para comentar, com ironia "...acabemos de uma vez com o nosso emplasto”. Como se já tivesse explicado antes do que se tratava!
VIDA E OBRA
O GÊNIO QUE VEIO DO MORRO
Nascido no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, filho de mulato em uma sociedade ainda escravocrata, paupérrimo, sofrendo de gagueira e epilepsia, nada indicaria que Joaquim Maria Machado de Assis teria, ao morrer em 1908, um enterro de estadista, seguido por milhares de admiradores pelas ruas da cidade em que nasceu, viveu e morreu. Autodidata, aos 15 começa a trabalhar em tipografias, onde conhece escritores importantes, como Manuel Antônio de Almeida. Em 1855 inicia sua carreira literária com a publicação de um poema na revista Marmota Fluminense. Consegue, logo depois, um emprego na Secretaria da Fazenda. Trabalha a vida toda na burocracia, na qual vai galgando posições até ser Ministro substituto. Mas a carreira burocrática é apenas uma forma de ganhar o sustento, ainda que humilde, que o possibilita escrever. Contribui com diversos jornais e revistas e, com a publicação de seus livros de poesia, contos e romances, só vai ganhando em notoriedade e respeito. Em 1869, casa-se, enfrentando grave preconceito racial da família, com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais. Em 1876, antes mesmo de publicar a parcela de sua obra mais significativa, já é considerado, na companhia de José de Alencar, um dos maiores escritores brasileiros. Em 1881 inicia a publicação dos seus romances realistas. Em 1896 é um dos principais responsáveis pela fundação da Academia Brasileira de Letras, do qual é eleito presidente vitalício. Em 1904 morre Carolina. Quatro anos depois, Machado de Assis, consagrado como o maior escritor brasileiro, é enterrado com pompa no Rio de Janeiro. O mulato paupérrimo do Morro do Livramento tornara-se um dos homens mais respeitados do país.
O poeta
Machado de Assis iniciou sua carreira literária como poeta. Seu livro de estreia foi Crisálidas (1864), que lhe conferiu imediata notoriedade. Embora sua poesia esteja muito aquém da prosa que o imortalizou, nunca deixou de escrever poemas. Em 1870 lança Falenas, em 1875, Americanas e, em 1901, as suas Poesias Completas, que ainda não incluem um dos seus mais famosos poemas, o belo soneto A Carolina, escrito após a morte da esposa, em 1904.
O cronista
Seguindo a linha dos textos de Ao Correr da Pena, de José de Alencar, Machado de Assis contribuiu durante toda a sua carreira com textos breves para jornais, em que comenta os mais variados assuntos da vida do Rio de Janeiro e do país. Esses textos leves, de temática cotidiana, podem ser considerados os precursores da crônica moderna, em que se haveriam de destacar, no século seguinte, escritores como Rubem Braga, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade. A produção do Machado cronista se inicia já em 1859 e se estende até 1904, com raras interrupções. Sua produção mais madura foi publicada na colunas do jornal Gazeta de Notícias, em que contribui de 1881 a 1904: Balas de Estalo (1883-1885), Bons Dias! (1888-1889) e principalmente em A Semana (1892-1897).
O crítico
Também para os jornais, Machado de Assis escreveu durante toda a vida textos críticos. Sua produção infindável envolve ensaios teóricos, como O passado, o presente e o futuro da nossa literatura (1858), O ideal do crítico (1865) e Notícia da atual literatura brasileira - instinto de nacionalidade (1873), diversas resenhas críticas importantes, como aquela ao livro O Primo Basílio, de Eça de Queirós (1878) e inúmeras críticas de teatro.
O contista
Muitos das centenas de contos que Machado de Assis escreveu ao longo da vida se perderam, com o desaparecimento dos números dos jornais em que foram publicados. Outros estão apenas agora sendo republicados em livro. Sua versatilidade como contista é imensa. Escreveu tanto para os jornais mais sentimentaloides quanto para publicações seriíssimas. A qualidade dos contos varia de acordo com a publicação e o público leitor a que se destinavam. Entre as coletâneas de contos que publicou, destacam-se Papéis Avulsos (1882), com o grande conto, ou novela, O Alienista, Teoria do Medalhão e O Espelho, e Várias Histórias (1896) em que se encontram, entre outras obras-primas da concisão e do impacto narrativo, A Causa Secreta, A Cartomante e Um Homem Célebre.
A fase romântica
Entre 1872 e 1878, Machado de Assis começa a publicar romances. Ainda muito influenciado pelo amigo e mestre José de Alencar, publica, com regularidade britânica, um romance a cada dois anos. Em Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878), temos um Machado ainda romântico, mas antecipando alguns temas e procedimentos de suas obras-primas realistas e, principalmente, conquistando um público leitor que já receberia sua revolução realista com boa vontade.
As obras-primas realistas
A mais importante fase da carreira de Machado de Assis concentra-se na trilogia de romances realistas publicados no final do século. O primeiro deles foi Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Depois, seguiram-se:
Quincas Borba (1891) narra, na terceira pessoa, as desventuras do ingênuo Rubião, herdeiro da fortuna e do cachorro da enlouquecida personagem Quincas Borba, que já aparecia, e morria, no livro anterior. Através dessa personagem, cômica no seu despreparo para as armadilhas da corte, e trágica no seu destino, Machado ao mesmo tempo ironiza e demonstra as teorias darwinistas tão caras aos naturalistas. O ensandecido "humanitismo" de Quincas Borba, herdeiro direto da "luta pela vida" de Darwin, é sintetizado na frase "Ao vencedor, as batatas!", e acaba por ser comprovado tragicamente pela ação espoliadora do casal Sofia / Palha sobre o provinciano protagonista.
Dom Casmurro (1899) apresenta algumas das personagens mais complexas da literatura universal. Narrado pelo velho Bento Santiago, apelidado Dom Casmurro, apresenta a história de seu relacionamento - namoro, casamento e afastamento - com Capitu, sua vizinha de infância. O narrador se esforça por demonstrar o caráter ambíguo e dissimulado tanto de sua esposa quanto de seu melhor amigo, o hábil Escobar, para assim justificar sua convicção de ter sido por eles traído. Como prova da traição, apresenta a semelhança que enxerga em seu filho, Ezequiel, com o amigo, que supõe pai da criança. Mas o esforço é vão. Se consegue construir a imagem de personagens extremamente complexos, nada nos consegue provar, pois o seu próprio caráter é tão fraco, tão inseguro e titubeante, que o leitor passa a desconfiar de seus julgamentos. Assim, além de construir a eterna dúvida (Capitu traiu ou não Bentinho?), Machado de Assis apresenta o primeiro narrador não confiável da literatura brasileira.
Os últimos romances
Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), têm o mesmo narrador personagem, o conselheiro Aires, que pouco age e passa a maior parte da narrativa contemplando placidamente as aventuras amorosas e existenciais dos jovens ao seu redor. A descrição dos dias de perplexidade da população carioca com a proclamação da República, em Esaú e Jacó, é um dos pontos altos da narrativa machadiana.
A Academia Brasileira de Letras
Fundada em 1896, foi um dos mais acalentados sonhos de Machado de Assis no final da vida. Eleito seu primeiro presidente, Machado via na fundação da Academia, nos moldes da Academia Francesa, uma possibilidade de dignificar o trabalho do escritor, acabando com a imagem de malandro boêmio que viera do romantismo, e afirmando-o como um intelectual sério e consequente.
*Roberto Alves foi professor de Literatura da Escola Logos e no Colégio Waldorf Micael, ambos em São Paulo (SP). Atualmente é professor da Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, também em São Paulo.

Internet: <http://fredb.sites.uol.com.br/mpbc.html>